segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

De Natal em Natal...

O Natal na minha infância era a alegria da minha mãe. Ela acordava cedo, preparava tudo para ceia, contava com a ajuda da minha irmã e o meu bisbilhotar constante, querendo sempre saber, mexer, ver, sentir, experimentar. Isto me dava a impressão de que a noite começava sempre já ao amanhecer.
Houve alguns em que adversidades deixaram entrar tristezas. Penso nestas noites sempre com muitas dúvidas. Não hoje. Mas dúvidas daquele instante. "O que acontece aí no mundo dos adultos de tão complicado?", talvez eu pensasse.
Depois que ela morreu, deixamos a vida nos levar para natais muito diferentes, em outros cenários. Até que - não sei exatamente como - decidimos que ficarmos juntos de novo era a melhor pedida. E continua sendo.
A gente se reúne, brinda, ri. Come, saboreia, elogia-se, bebe e comemora. Não sei se o nascimento de Jesus, na verdade. A gente comemora estar junto. É como se fosse um domingo mais especial que os outros. Ficamos felizes porque temos muito prazer de ficar junto. Celebrando a vida.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Livre para viver

Um prezava a liberdade mais do que tudo. Não queria se comprometer com mulher alguma, não queria planejar natais nem revéillons, nem sequer dava um "sim" adiantado para qualquer convite de aniversário.
Tão livre ele queria se sentir que passou a vida preso. Preso a conceitos e padrões. Preso a parâmetros de comportamento. Ele fazia tudo sempre igual: começava do mesmo jeito, terminava do mesmo jeito. Vivia sempre o amanhã, quando finalmente ele iria poder ser livre e fazer o que bem entendesse. Nunca viveu de verdade.
Outro era livre. Livre para fazer o que queria, na hora que bem entendesse. Adorava estar na companhia das pessoas que ama. Adorava planejar estar com elas ou fazer coisas sensacionais. Mas não se prendia aos quereres: se os planos mudassem, não seria problema. Afinal, ele era livre para viver o hoje, claro. Mas para experimentar o depois também. Livremente.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Primeira aula Carlos Moreira...

Primeiro, uma surpresa. O lugar, o cheiro, a textura.
Depois, um aconchego. As almofadas, a manta, a blusa de lã.
Aí os olhos claros com a clareza de quem viveu experiências. Era informação, sabedoria e competência.
Veio a sensação estranha de já ter visto tudo aquilo. Imaginei que tudo que vira até ali era uma espécie de farsa: aquilo sim era de verdade.
A referência de Gruyaert foi como um convite. Senti-me à vontade. Eu já tinha visto aquelas cores, afinal.
Quase vi meu lugar naquela história. Uma sensação de ter ido lá sempre.
Desconhecidos junto a companheirismo e a alegria de amigos, amigos do tipo que se juntam por amor pelo compartilhar.
No todo, uma doçura. Dicas de mestre, calma de quem realmente sabe o que diz e que nos dá a impressão de controlar o tempo.
No detalhe, um esculpir de palavras em que tudo faz sentido.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

"Precisamos estar dispostos a nos livrar da vida que planejamos, para podermos viver a vida que nos espera."
Campbell

então...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Ser livre

Eu posso. Posso ir ao lugar que quiser. Posso comer o que me dá vontade. Posso chegar tarde, não arrumar a cama. Posso deixar a louça para lavar no dia seguinte, ir ao cinema sozinha.
Posso tantas coisas.
Mas sobre a minha vida, o que posso?
Que liberdade tenho sobre ela? Que liberdade tenho sobre quereres?
Toda.
É o que me dizem. "A vida é sua, ora".
Eu quero. Quero ir à Europa no ano que vem. Quero ver minha amiga de novo. Quero acordar tarde, passar o ano-novo com meus amigos. Quero me entregar ao novo amor. Quero ler o livro da Clarice. Quero comer brigadeiro com bolacha. Quero ir fotografar no Jardim Botânico.
Quero e posso. Quero poder na hora que bem entender. Para poder querer sempre que possível. Mas viver é estar diante de condições. Como resolver?

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Alice Ruiz...

Que importa o sentido
se tudo vibra?

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Feliz é coisa para se querer ser?

E não é louco descobrir que para se sentir feliz você precisa querer? Se não, a gente se envolve em nós mesmos, traz outros para companhia, mergulha tão fundo que acaba achando que melancolia é vantagem.
Olha que perigo. Sorriso é uma das palavras que mais gosto. E, se você não se cuidar, pronto, não sai mais. Pior: você não vê o dos outros.
Criança não tem nada disso. Quando vê, sorriu. E sem querer. Para ela, felicidade não é desejo. Então, sorri.
Mas alguns adultos, não. Acha que sorrir e se sentir feliz é motivo para se culpar. E vai embora neste novelo deprê, desenrolando e se enrolando, num emaranhado que a gente não vê mais nem o começo, nem o fim.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

As Clarices da gente...

Quando eu fui à exposição sobre Clarice Lispector no Museu da Língua Portuguesa não me faltaram inquietações. E não foi somente por ela e pelas palavras que ela escolheu pela vida.
Eu achei tumultuado, um tanto claustrofóbico. Acho que eram as frases dela gigantes que iam me engolindo, eu perdi o ar.
E na hora das gavetas, confesso: acho que fiquei com ciúmes. Que história era aquela de todo o mundo ficar abrindo as gavetas da Clarice? Para mim, que mais pareço protegê-la do que realmente ler seus livros, fiquei incomodada. Eu quis mais foi correr para casa e me abraçar aos livros dela. Ter a minha Clarice de volta. Ler tudo que - por sorte - ainda me resta ler dela.
Eu tenho uma grande amiga que me ensinou muito sobre o escrever. Ela tem um blog há muitos anos, chama-se Idéia Fixa.
E hoje li dela uma verdadeira maravilha. Um ir e vir. Um sentir maravilhoso sobre Clarice. Um mergulho profundo em todos nós. Todos que nos deixamos levar por ela, nos envolvemos com ela.
Copio aqui, Clarice por Simone Paulino.

Clarice Lispector.

O nome é em si um estilhaço. Sonoridade pontiaguda que penetra fundo no ouvido-alma da gente. Clarice. Clarice é perfurante. Entranha-se no reino das palavras e diz soberba: Tenho as chaves! Clarice é quase um verbo. Se eu Clarice. Se tu Clarices. Como seria o mundo se todos nós Clarícemos? Mas Clarice está em mim de um modo imperfeito. Se eu Clarice era só uma possibilidade remota que não se completou. Então trago Clarice para o presente e ela me atinge qual lâmina afiada e transforma tudo à minha volta em fragmento. Não consigo ler seus textos inteiros. Por isso, vou aos poucos. Recolho aqui e ali uma parte. Clarice, metonímia pura.

Perguntei a Clarice como é a vida após a morte. Clarice, escorregadia, me inquiriu: Que importa o futuro do pretérito? O instante, só o instante conta. Entenda, enquanto é presente! Esse mesmo, translúcido, que ao pensares nele já te escapa. Agarra-te a ele. Prenda-o em ti. É o que tens por hora, e é muito, creia-me. Pedi uma resposta e Clarice me devolveu perguntas. Será isso? Viver, uma infinita pergunta? Um consulta interminável a um dicionário com sucessivos verbetes remissivos? De onde? Para onde? Por quê? Por quanto tempo? Tempo? Que é o tempo? Se não me perguntam o que seja o tempo, sei. Mas se me perguntam, onde a resposta? Não há respostas, meu Deus, é isso? Deus? Tenho febre de estar viva, e ela me consome, por quê? Será a existência um eterno delírio, por quê? A chuva lavou a cidade e não refrescou meu espírito, por quê? Tenho uma mesa farta e sinto fome, por quê? O espelho não reflete minha alma, por quê? Cada pergunta é um caco de Clarice que penetrou na pele porosa do meu pensamento. As ruas se cobrem de flores amarelas e roxas e isso me inquieta, por quê? A morte é roxa e a vida, amarela, e a cada quarteirão elas se alternam. Sim, seria uma resposta. Mas é belo o roxo alternado com o amarelo. E há um sopro que às vezes mistura tudo numa cor indefinida e vaga. Tese, antítese, síntese. É isso, a vida? Queria ir além, lá no mais-longe, no indescoberto rumo, bem perto do centro estreito onde nascem as palavras que fundam o mundo. Mas eu, Simone. Se eu Clarice...

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Poesia na cozinha...

Não, não é samba.
Hoje eu estava lembrando da minha mãe, como ela se divertia na cozinha. Primeiro, só cozinhava cantando. Sempre. Segundo, ria demais das coisas da culinária que não davam certo. Achava graça daquela clássica cena do leite derramando após ferver. Rolava de rir quando abria o forno e encontrava uma série de suspiros desmilinguidos. Também, acho que era a única coisa que ela não sabia fazer.
Ao contrário de mim, a minha irmã herdou este talento. Tudo que faz fica maravilhoso. Apesar de curtir seus momentos Ofélia, tem uma relação de amor e ódio com o fogão. Mas, sabemos, adora fazer a gente sorrir de satisfação em volta da mesa.
Ontem foi um dia especial. Ela preparou uma de suas delícias, o pão de minuto. Eu tinha de levar para a redação para uma foto na seção de culinária para crianças. Pois vivi o que não vivia havia anos: fiquei na pia com ela nos preparativos do pão, meu irmão puxou uma cadeira e nós ficamos ali, os três, rindo como em varanda de casa de interior. Era pura poesia de cozinha, com cor amarelo-gema, sabor de farinha e cheiro de queijo.
O pão de minuto ficou gravado na nossa memória. Aquela que o tempo não apaga, não termina. são estes encontros que fazem da vida um eterno valer a pena, não?

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Por que escrever?

Engraçado que fiz este blog porque o que eu escrevia já não estava mais cabendo em mim. Queria espalhar para o mundo. Mundo.
Mas aí me pego esquecendo dele. Meu último post tem 10 dias. Eles vão se distanciando, como a voz do professor na aula chata, quando a gente já está pegando no sono de tédio.
E por que será que isso acontece? Por que escrever tem tantas escritas?
Escrevo todos os dias quase o dia todo. Mas são funções a cumprir, mensagens diretas. Tem também os emails pessoais, as conversas de MSN, os recados no Orkut.
Mas sempre tem alguém que me pergunta "e aí, cris, você tem escrito?". Mas esta é uma outra escrita. A que não tem função.
A que você emociona sem saber, se revela querendo esconder.
É aquela que te solta a angústia, explode a felicidade, te arranca um sorriso, uma dor.
E é uma delícia, mesmo que só de vez em quando.
É livre.
É por isso que escrevo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Um dia sem carro

Não, não vou falar da campanha mundial que mais parecia dizer o contrário, de tanto carro que foi para rua naquele dia.
É que uma circunstância - ou coincidência? - me deixou sem carro e é impressionante como a gente passa pelos mesmos lugares e vê tudo diferente.
Vi borboletas, placas com erros de português, as conversas das pessoas. Porque a comodidade que o carro traz é maravilhosa, mas a gente fica sozinha. No ônibus há os incômodos, mas tem a companhia, ou a sensação de. O individualismo fica de lado, a gente simboliza melhor o coletivo.
E voltei a ver as pessoas, como elas aparentam ser, imagino a história de cada uma, vejo-as conversando, trocando informações, alguma gentilezas, ou o estresse que faz com que tantos passem por tantos sem se olhar.
Observar a vida é uma delícia.
Outro dia, parada no farol (isso dentro do carro mesmo), eu vi o que parecia um pai e filho atravessando a Avenida Paulista. Imagine uma frase assim: "Se a gente pode pular, porque vamos só andar?". Foi o que eu vi. O adulto incentivou a criança a experienciar um jeito diferente de atravessar a rua. E era difícil ver quem estava se divertindo mais...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

José Paulo Paes

Caiu em minhas mãos um livro dele.

Tem Geraldo de Barros.

E poesia, claro.

Uma delas;

HINO AO SONO
Sem a pequena morte
de toda a noite
como sobreviver à vida
de cada dia?

Está em José Paulo Paes - Em tempo escuro, a palavra (a) clara
Ed Global

domingo, 7 de outubro de 2007

Unindo mundos

Que dia este. Inesquecível. Como muitos são. Mas neste, as coincidências iam vivendo, parece até que independente de mim. Estavam lá acontecendo, na Livraria da Vila. Eu, lançando um conto, em um livro. E um livro cheio de amigos. Minha estréia literária foi em turma! Tem melhor?
Foi maravilhoso ver meus dois mundos acontecendo: minha família sentada ali, assistindo meu outro mundo, o dos meus amigos escritores e contadores de histórias. Um com o outro. Divertindo, reagindo, sorrindo.
Falei no outro blog: jamais esquecerei os sorrisos. Acho que eles refletiam o que eu sentia dentro. Eu sorri com o corpo hoje. Reencontrei amigos, fiz outros. Confirmei minha admiração por artistas tão especiais, tão talentosos, tão poetas. Sinto-me privilegiada. Por ter tanto carinho espalhado e por poder retribuir a meu modo, com trabalho e sorrisos. Poder sorrir por dentro e por fora.
Era o lançamento do Contos do Quintal, da Editora Globo.
Tem jeito melhor do que unir se não por meio de boas histórias?
Que festa boa.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Elocubrando...

Nossa, que dia é esse que começa com Nietszche e termina com um pedido de desculpas? É incrível como em alguns dias parece que a metáfora dá um descanso e nós abraçamos ao concreto em um tom de realidade nunca jamais sentido.
Vão caindo as máscaras, os disfarces, vão surgindo os desejos, as vontades. A força de viver, de começar um mundo. Ontem um querido amigo me disse "Cris, vai pro mundo. Não aja como se estivesse no fim". E a coisa tá tão pesada que me apego à filosofia de propaganda de carro: "não deixe a vida acontecer sem você!". Tem coisa mais maluca que esta?

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Na mesma toada ou vivendo coincidências?

Nestes meus dias melancólicos, olhem o que acabo de aprender com Ziraldo:

" Triste "

Eu hoje acordei triste,
- há certos diasem que sinto esta mesma sensação...
E não sei explicar,
qual a razão
porque as mãos com que escrevo estão tão frias ...
E pergunto a mim mesmo:
- tu não rias
ainda ontem tão feliz ...
diz-me então
por que sentes pulsar teu coração
destoando das humanas alegrias ? ...
E, nem eu sei dizer por que estou triste ...
Quem me olha não calcula com certeza,
o imenso caos que no meu peito existe ...
A tristeza que eu sinto ninguém vê...
- E a maior das tristezas é a tristeza
que a gente sente sem saber por quê !...

( Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro"Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou"Vol. I - 1a edição 1965 )

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Solidão, que nada...

Tô meio "mordida" esses dias... e ouvindo Cazuza e Barão adoidado, já viu...

"E tudo que eu tentei fazer
pra te ver mais feliz
e tudo que eu tentei esquecer
eu fiz também por mim"
Cara a Cara, último disco do Barão

"Eu quero a sorte de um amor tranquilo com gosto de fruta mordida",
Cazuza

"O teu amor é uma mentira
Que a minha vaidade quer
E o meu, poesia de cego
Você não pode ver
Não pode ver que no meu mundo
Um troço qualquer morreu
Num corte lento e profundo
Entre você e eu
O nosso amor a gente inventa
Pra se distrair
E quando acaba, a gente pensa
Que ele nunca existiu"

Enfim...

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O menino da bolinha de gude

Todos os dias, eu aguardava a chegada dele. Ele vinha correndo da rua, com uma mochila nas costas e entrava em casa. O pai sempre dizia:- Lave as mãos e venha almoçar!E ele lavava, depois sentava à mesa, almoçava pra valer, escovava os dentes e - ufa! - vinha depressa ao meu encontro.
Estava sempre à sua espera, parada em um dos pequeninos buracos formados pela areia que cobria a parte de fora da casa. Era uma delícia! Ele examinava as formas no chão e começava o jogo! Nas mãos dele, eu e minhas colegas voávamos pelo quintal. Ele me colocava no dedo polegar, eu ia de encontro às outras e iuuuuuuuuuuuuupiiiiiiii: a cada batida, caíamos às gargalhadas, em pura diversão.E assim a gente brincava por horas e horas.
Havia dias em que dávamos um passeio. E era muito especial. O menino colocava cada uma de nós em seu bolso e íamos lá dentro, batendo umas nas outras, morrendo de rir. De vez em quando ele procurava a gente, só com as mãos: acho que para saber se a gente não havia fugido... Fazia um carinho, daqueles que dão cócegas...
No caminho, a gente sempre ouvia a conversa dele com o pai. Ele perguntava sobre o nome dos pássaros, suas cores e seus cantos. Quem sabe, de tanto ouvir, ele não acabaria decorando tudo? Queria ser como o pai: ouvir um pio e já dizer que pássaro era!
Nesses passeios, não era só passarinho que ele via, não. Às vezes, o pai o levava para andar de barco. O menino se encostava na ponta da embarcação e apreciava tudo o que via: o balanço do rio, o reflexo da mata nas águas, as crianças brincando na beira. Ao longe,ele avistava umas borboletas azuis, típicas do lugar que ele vivia. Ficavam aqueles pontos luminosos, colorindo a floresta. Dava a impressão que a natureza brincava com ele. O garoto olhava, olhava, olhava... parecia que a paisagem não tinha fim. Dava um suspiro bem profundo e sonhava em ver aquilo para sempre.
Quando a gente chegava em casa, ele nos tirava do bolso, brincava mais um poucoe ia para o quarto. Passava um tantão de horas mergulhado nos livros. Sonhava em ser escritor.Dizer para o mundo todo o que ele via todos os dias: a vida vivendo.

publicado na Revista Crescer em março de 2007

domingo, 9 de setembro de 2007

Como se a mede a vida?

Se é uma coisa que ser humano faz e procura são medidas. Somos fanáticos por números, estatísticas, rótulos.
Venho pensando isso. E em como isso é necessário, mas nos afasta da experiência. Ou de percebê-la. Lembrei do poeta Bartolomeu, de novo, dizendo estar farto de certas atitudes na escola e à espera de um dia ela querer medir qual criança é mais feliz no recreio.
Agora começo a assistir a um musical americano chamado Rent, de Jonathan Larson, nos anos 90. Eu me envolvi com sua história quando minha amiga Jana Bianchi, uma fabulosa cantora, fez parte de um projeto em São Paulo que apresentou vários esquetes de sucessos da Broadway e que, de certa forma, deu início a esta série de versões brasileiras. Rent foi encenado por ela em português. E há 2 anos ganhou uma versão nos cinemas.
No cotidiano frio de Nova York, fala de amizade, drogas, vida sem limites, sexo e, claro, da chegada da AIDS que, com uma espécie de "dedo no nariz" de todos veio moralizar a vida e esconder mais uma vez os novos olhares anunciados.

Inicia com uma canção que adoro: Seasons of Love. Me faz, claro, lembrar dos amigos que vivem e viveram com esta síndrome que tudo coloca à prova. E me faz lembrar a vida, o jeito que a conheço e reconheço. Será isso mesmo?

525,600 minutes, 525,000 moments so dear.
525,600 minutes - how do you measure, measure a year?
In daylights, in sunsets, in midnights, in cups of coffee.
In inches, in miles, in laughter, in strife.
In 525,600 minutes - how do you measure a year in the life?

How about love? How about love? How about love? Measure in love. Seasons of love.

525,600 minutes! 525,000 journeys to plan.
525,600 minutes - how can you measure the life of a woman or man?
In truths that she learned, or in times that he cried.
In bridges he burned, or the way that she died.
It’s time now to sing out, tho the story never ends let's celebrate remember a year in the life of friends.

Remember the love! Remember the love! Remember the love! Measure in love.

Seasons of love! Seasons of love.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Silêncio e beleza

“O senhor está me dizendo que tenho que encontrar o silêncio em mim para ouvir minha música?”. É o que Anna Holtz, a aprendiz diz a seu a maestro, Beethoven, em O Segredo de Beethoven, a que assisti ontem e o qual me fez chorar em um tom de emoção que há tempos eu não sentia. Talvez eu tenha ficado assim em Blliy Elliot. Sabe quando você não chora de tristeza ou se emociona com o tema ou personagem. Mas é quando você aprofunda de tal forma naquela ligação você-filme que parece o corpo perde até o sentir?
O personagem vivido lindamente por Ed Harris está tentando pôr em palavras: a música é como uma forma de ouvir Deus. Talvez o Deus em nós. O Deus na vida. Seja qual for a crença, música é “um pedaço do sagrado” como diz a canção da minha amiga Júlia Medeiros, compositora mineira que escreveu O Mangue para as vozes dos Meninos de Araçuaí entoarem como flores num imenso jardim.
Vivi grande parte da minha vida com a filosofia do espiritismo. Leio poetas, ouço crianças, espero os sabiás. Passeei pelo budismo e tento seguir a vida do modo que minha mãe me mostrou tão generosamente por 15 anos, como um canto de sabiá, sábia como ela sabia ser.
Mas a cena dele na Nona Sinfonia, inteira e bela, me fazia chorar sorrindo e fez com que me desse conta do que venho descobrindo, a minha religação com tudo.
É com a música que me sinto viva, foi ela que me mostrou a poesia, é nela que quero dançar meus dias, suspirar meus anseios, seguir meu caminho. A música é a minha religião.
É ela que me dá o silêncio. Aquele que venho buscando, enquanto tantos buscam multiplicar contatos, triplicar conhecimentos, viver tudo ao mesmo tempo. O silêncio “condição para o criar”, como coincidentemente ouvi do poeta Bartolomeu Campos de Queirós.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Viver e fotografar

“Aprenda a olhar em silêncio se você não quiser que o barulho espante, diante de seus olhos, a beleza das coisas frágeis”, conselho de Hokusai a seu aprendiz Tojiro em O Velho Louco Por Desenhos, da François Place

Toda a forma de luz vale a pena?

Que luz linda do sol laranja fechando a tarde. É uma das minhas preferidas. Mas do que adianta sem a companhia desejada?

Por que desejo o dia dos outros quando parece que tantos querem o meu? Há alguma forma de equacionar?

Verdes luzes flurorescem as árvores do parque que um dia foi nosso palco. Rimos, dançamos com a lua, trocamos confidências, memorizamos lembranças. Agora está tudo lá. Para quem quiser ver.

Verdes luzes fluroresceram também o grupo que se uniu pela música e ganhou as crianças. Pureza não-ingênua. Típica de criança. A parede se abriu e iluminou a palavra que canta toas as palavras que crianças deveriam ouvir. Nenhuma a menos.

Da razão à sensibilidade

É incrível como a gente pode ter consciência das burradas que faz, mas não consegue sair do lugar. O amor, então, é mestre nisso. Podemos ver tudo, julgar, planejar, ver e rever. Mas o sentimento não muda. Sempre à espera. Mas quando se sabe que a espera é esperada, o que se faz enquanto se espera?

domingo, 19 de agosto de 2007

Os sabiás de nossas vidas

Venho falando muito de minha história, as tais raízes. Às vezes ela se evidencia quando menos espero. Para a entrada principal do local em que trabalho, há duas alternativas de caminho do estacionamento até ela. Eu sempre escolho a da direita, porque invariavelmente ouço os sabiás – e ocasionalmente encontro com um deles, ali, no chão. Para mim não há começo de dia melhor. Era assim quando eu ia para a escola, às 7h da manhã. Meu bairro é gentilmente tomado por eles, que nunca nos deixaram apesar das tantas mudanças concretas a seu redor. Assim, cresci tendo o hábito de apreciar o canto do sabiá. Vi na TV que os cantos não se repetem, cada um tem o seu.
Mas outro dia caminhava com minha irmã no parque quando, no meio de uma conversa qualquer, ela olha para cima e diz: “ah, eu sabia! Ele está bem aqui em cima. Vi que o canto tava próximo demais”. Eu nem pedi explicações, ela não precisou dizer sobre o que falava, pois eu já sabia: era sobre um sabiá, que vinha chamando sua atenção há voltas, e que fez tudo o mais diminuir de atenção. É daí que tudo vem.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Exatamente como ele queria

Tudo já estava sendo preparado havia horas quando ele chegou. De baixo para cima, olhou para aquele cenário de quatro cores e deu um sorriso. “Tá bonito”. Por mais que tivesse ele mesmo pedido o tema – o Brasil – não quis fazer parte da decoração: para vestir em sua festa recusou a roupa ‘a caráter’ e optou por um conjuntinho de xorte e camiseta já usados. Muito mais confortável. Afinal, o dia era dele e só estava começando.
De pés descalços, começou a explorar tudo. “Preciso de amêndas”, dizia ele reforçando tonicamente o “me” e enchendo a mão de amendoins coloridos. A todo o momento, repetia a quem se confundisse: “Hoje não é o meu aniversário. É só a festinha”.
As pessoas foram chegando e os presentes também. Aos poucos, ele foi se dando conta de que aquilo tudo poderia ser ainda mais divertido. Um game eletrônico o entreteve por vários minutos. Sem pilhas, usava a imaginação para não perder a brincadeira: “Essa é a minha festa e eu posso controlar tudo”, ria de si mesmo da fantasia que ele criou.
Com tanta variedade de pessoas e brinquedos, eis que chega um robô de montar. “Era exatamente o que eu queria”, confessou o pequeno a mim. Dali em diante, parte para o lúdico possível ao se juntar uma idéia de alta tecnologia – um robô – com a mais simples das brincadeiras: encaixar.
Sem ninguém dizer a ele o que fazer, livremente aproveitou o espaço todo. Corria, saltava, nada escapava ao seu olhar. Sim, ele era o aniversariante e tinha o poder de, vez ou outra, apenas caminhar pela festa sozinho, num vai-e-volta de descanso que só eu observava. Tempo suficiente para notar o céu, que se riscava de rosa e laranja, oferecendo – como um presente - um belíssimo fim de tarde especialmente para o João.

domingo, 29 de julho de 2007

Fotografei com o coração

Imagine seu aniversário. Agora olhe para a mesa. Estão lá seus irmãos, seus sobrinhos, os agregados que você já ama também e seus amigos. Varie no zoom. Estão todos lá, contando sua história. Um a um. Neste ano, há também três novos personagens. Com os antigos, eles contam mais uma parte da sua vida. E ali você consegue ver a sua trajetória. Seu antes. Pensar como é que chegou ali. Olhar pelo retrovisor, como ouvi certa vez. Os três novos são o “ali”. E olhe de novo. Eles estão rindo. Faz frio. Mas não é problema. O que importa é contar a história com você. É permitir as coincidências. Ver as linhas incidindo. No meio, poesia. “Pelos meus textos sou mudado mais do que pelo meu existir.” É o pantaneiro poeta Manoel de Barros dando sua graça. Ah, tem perfume também. Muito. Tudo cheira bem porque o motivo ali é amizade. E, por mais que eu reclame da vida, ela ainda me dá presentes como estes. Pessoas maravilhosas que me cercam e que deixam que seus sorrisos, abraços, suspiros, emoções e memórias se unam às minhas. E assim sou eu. Sempre.

Foi nas músicas da vida

Há alguns dias fiz aniversário. Mais do que em final de ano, aniversário para mim é momento de repensar a vida. Mas nada forçado. Acontece. É aquela coisa do ciclo, do rever. Perto da data, assisti a um show do Zé Renato, um cantor que adoro há muitos anos. Muitos mesmo como pude confirmar com ele. Ele contou que tem 31 anos de carreira. Se eu completei 33, escuto-o desde os dois? Talvez. Isso porque o primeiro disco do Boca Livre era um dos que rolavam em casa. Provavelmente um pouco mais velha, eu ficava transformando em imagens concretas o coração vazio voando vadio feito uma pipa no ar. Eu as tenho em mente até hoje. E eu ficava ali, olhando para ele, naquela paixão de fã, voltando ao meu passado, voltando à música que sempre foi minha vida. Tinha Chico Buarque, Beatles, Deep Purple e Zé Kéti convivendo tão bem que pareciam de uma mesma turma. Esta era a minha turma. Uma turma que nascia do som pós agulha. A lembrança é tão forte que eu não me recordo de minha evolução motora empilhando brinquedos, lembro, sim, quando consegui colocar precisamente a agulha no disco, no início da música. Que sensação. Que progresso. Eu ganhava a importância da música que tinha na minha casa.
Com isso, ganhei outros aprendizados. Já contei em outro blog que minha mãe não fechava as portas para nada. Deixou entrar os já citados acima, deixou entrar Menudo, Titãs, Sting, U2, foi comigo comprar o segundo disco da Legião Urbana. E ela adorava cantar. Amante dos musicais do cinema, reproduzia tudo com afinação e beleza, talvez entendendo bem pouco do inglês de seus ídolos. E falava de música até na hora de me convencer a comer cebola: “cebola faz bem para a voz. Não ta vendo como eu canto?”. E caía na risada em seguida. E, sim, ela cantava o dia todo.
E é por isso que em shows como estes eu me encontro. Volto para casa. Sem nostalgia. Vejo a que vim. Entro nos acordes, saio de mim, e sempre volto. E tenho vontade de viver a vida. Assim, como música.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Cenas da Vida

Estou no ponto de ônibus em frente a um grande colégio paulistano e uma mulher, aparentando 35 anos, bem vestida, provavelmente voltando do trabalho para casa, deixa cair uma moeda de 10 centavos no meio-fio. Não dá a mínima, olha e decide que não vale a pena se abaixar para pegar o dinheiro.
Passa alguns minutos, ela já tinha tomado seu ônibus, e pára uma outra mulher com um garoto de 7 ou 8 anos. Ambos com aparência mais simples do que a mulher que deixou a moeda cair. Ele vê a moeda e fica afoito para pegá-la e consegue. O dia dele mudou.


Estou na rua Diogo de Faria, esquina com Coronel Lisboa e há pessoas dos dois lados da Diogo, esperando o farol fechar para atravessar. Do lado de cá, vejo uma menina vestida com roupa de ballet, de mãos dadas com a mãe. Levo meu olhar para o outro lado da rua e vejo uma menina, não de rua, mas bem pobre, olhando atentamente para a menininha futura bailarina. O que será que a menina estava pensando? O quanto ela não queria estar ali, de mãos dadas com a mãe, voltando da aula de ballet?

Posso fotografar a cidade nas cenas das minhas viagens diárias por São Paulo. Eu estava em uma dessas ruas de casas grandes e luxuosas, quando me chamou a atenção uma família que vinha carregando uma carroça muito, mas muito cheia de material para reciclar. Tão cheia, que acabou batendo um dos "braços" na parte lateral de uma caminhonete, não lembro a marca, mas dessas grandes e lindas. Não deu outra: o dono do carro, falando no celular, desceu da caminhonete e começou a berrar com todos eles, que nem respondiam, porque, acho eu, nem podiam entender o tamanho da encrenca. Se um dia alguém me pedisse para imaginar uma foto da desigualdade social, essa seria perfeita.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Ano novo no zen

O silêncio era a melhor parte. Principalmente porque era o intervalo entre frases entoadas alternadas e entrelaçadas a sentimentos.
Meus sentimentos. Tantos juntos. Se houve dúvida em aceitar o convite de dois grandes amigos na noite anterior, em pouco tempo estar ali fazia todo o sentido.
As desconfianças e inseguranças ficaram para trás. Talvez retornem em um teste qualquer da vida.
Vida. Quanta celebração por ela. Em cada gesto, som, respiração. Nos olhares, nos sorrisos, nas reverências. Trocas. Experiências.
Se antes havia sido acariciada pelo barulho da chuva, tive a luz do dia, à minha frente, à espreita de um espaço, disputada com tantos corpos e almas.
Verdade. Estar ali por inteiro. Não há outra alternativa.
E as pétalas choveram. E aquilo que não sei o nome e que hipnotizantemente abria e fechava tocou-me por duas vezes. E passar pela Sensei é como olhá-la e sorrir: faz todo o sentido. E parece que o que te sustenta ali, parada, não são somente os pés.
Senti-me grata. Grata por ter vivido até ali. Grata por estar lá naquele momento e não em nenhum outro antes ou depois. Comecei a ver respostas. A razão – tal como costumamos concebê-la – não está. Não se trata disso.
Sinto-me como se tivesse novamente um abraço de mãe: religada. De volta. Estar de volta. É disto que se fala. Ter a vida de volta e a possibilidades. Todas as possibilidades. E como cheiram bem!
Olhei sem espantar.

domingo, 22 de julho de 2007

Viver numa metrópole é reclamar de sua dinâmica. Quase sempre. E como parar? Impossível. Impossível? É tempo de descobrir que em meio a barulhos de carros dá para parar e ouvir o canto dos pássaros. E não apenas sabiá – o que mais ouço e, não por isso, o meu preferido. Há outros. Bem-te-vis, maritacas. E mais tantos tons que eu nem sei identificar. Mas nem me importa. Parei para ouvi-los. E, junto, observei o céu o mudar de cor. Do azul ao rosa, ao amarelo, ao rosa novamente, mais forte, até tornar-se azul. Outro azul. Que escureceu com as estrelas e esquentou meu espaço. E os cachorros continuam latindo.

sábado, 21 de julho de 2007

Mania de explicação

Hesitei tanto em criar este blog. Apesar de saber que sou eu mesma que vou escrever, parece que, a partir de agora, minhas palavras sairão do controle. E sairão mesmo. E eu nunca as controlei, na verdade. E é por isso que as amo tanto.
Começo este novo momento, este acontecimento (ops, já foi!) ouvindo uma canção especial. É Just Like Heaven, com o The Cure. Especial por si só, especial por representar um dos momentos de rever a vida que venho tendo com mais lucidez desde que encontrei amigos como o Renato, que me reapresentou esta música e que me reapresenta a vida tantas vezes.
Vou falar dele, de mim, e de tantas outras pessoas que cruzaram meu caminho como este texto da Clarice Lispector que me inspirou o nome deste blog.
E, como ela dizia:
Até sempre!