sábado, 24 de novembro de 2012

A vida em segundos


Quando eu era pequena, certa vez impus a mim um desafio: flagrar exatamente o instante em que meu irmão mais velho fechava os olhos para dormir. Aquele instante do “pegar no sono”, sabe? Ele quase todos os dias adormecia no sofá enquanto assistíamos algo na TV e eu, entretida no que a tela exibia, sempre perdia este segundo precioso. Nunca consegui, e esteja onde estiver, ele ainda deve tirar umas cochiladinhas instantâneas. Aposto que sim.  

Hoje vejo isso acontecer com os olhos da minha filha muitas vezes. Este segundo em que ela se entrega ao sono e fecha os olhos é mágico. Só pode ser. Não que ela dê trabalho. Mas é um movimento tão bonito. Os cílios se encontram e algo puro, delicado e definitivo acontece. Adoro assistir. Os segundos de milagres da vida.

Igualzinho o "momento decisivo" que Henri-Cartier Bresson nos ensinou e nos presenteou com fotos como esta. 

E acompanhar alguém se desenvolver nos surge em diversos segundos, segundos seguidos, segundos sentidos. “Num segundo” ela olha em meus olhos e me devolve um sorriso. “Num segundo” vira de bruços e vê o mesmo mundo de um jeito diferente. “Num segundo” agarra os pés com alegria. “Num segundo” se envolve com um brinquedo, uma cor, um som. E todos os instantes são preciosos. Como no livro que li hoje, na história de infância da querida ilustradora Ionit Zilberman, contada por Kiara Terra: Hocus Pocus Um Pai de Presente. E lá, elas nos dizem: “o começo é sempre o lugar onde a gente está quando acontece uma coisa importante. O começo é naquele instante”.   

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Para ver e ser Valente


Como praticamente nunca aconteceu, assisti com meses de atraso ao mais recente filme da Pixar pela Disney. Isto, claro, por causa de meus outros interesses, ocupações e tudo o mais de bom com a chegada da minha primeira filha. E não apenas pelo meu trabalho na revista Crescer, mas por vontade minha mesmo sempre aguardo ansiosa algo que venha da turma de John Lasseter. Assim, Valente (Brave) chegou em meu repertório há alguns dias e adorei.

Havia muita expectativa com o filme tanto pela tecnologia empregada, quanto pelo conteúdo ser focado em convívios de humanos – sem animais ou brinquedos ou monstros falantes – e na história de uma heroína destemível. Uma mulher. E eu estava, claro, nesta expectativa junto e li pouco sobre o filme antes de vê-lo, para o impacto não perder a força. E foi ótimo. Me envolvi nos cabelos ruivos e cacheados de Merida – que são um caso à parte tamanha veracidade foram colocados em cada fio – e também adorei a forma que eles conduziram a narrativa e, principalmente, a maneira de mexer com uma relação tão cheia de tabus como os sentimentos que uma criança tem pela mãe. As histórias de hoje e de antigamente nos mostram conflitos de filhos e pais e achei incrível como eles conseguiram concretizar essa vontade do filho/filha querer que a mãe desapareça, mude, cale a boca de uma vez, sem perder a proteção que precisa sentir. Ou seja: adorei a representação da mãe “rejeitada” se tornar um urso. Um urso que não fala (assim não preciso mais ouvir sermões), desastrado com o seu corpão (assim vejo que não somente eu posso errar e se atrapalhar), mas que não deixa de me proteger, de estar presente com toda a sua força (e assim eu posso continuar me sentindo segura).

Achei Valente de uma delicadeza sem fim porque conseguiram inspirar uma reflexão de forma direta, sem fru fru algum (mesmo porque, Merida não é e nem quer ser uma garota “fofinha”) e exibindo as duas partes (mãe e filha) como construtoras legítimas desta relação. E é preciso ser Brave (Valente) para isso acontecer.