segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Silêncio e beleza

“O senhor está me dizendo que tenho que encontrar o silêncio em mim para ouvir minha música?”. É o que Anna Holtz, a aprendiz diz a seu a maestro, Beethoven, em O Segredo de Beethoven, a que assisti ontem e o qual me fez chorar em um tom de emoção que há tempos eu não sentia. Talvez eu tenha ficado assim em Blliy Elliot. Sabe quando você não chora de tristeza ou se emociona com o tema ou personagem. Mas é quando você aprofunda de tal forma naquela ligação você-filme que parece o corpo perde até o sentir?
O personagem vivido lindamente por Ed Harris está tentando pôr em palavras: a música é como uma forma de ouvir Deus. Talvez o Deus em nós. O Deus na vida. Seja qual for a crença, música é “um pedaço do sagrado” como diz a canção da minha amiga Júlia Medeiros, compositora mineira que escreveu O Mangue para as vozes dos Meninos de Araçuaí entoarem como flores num imenso jardim.
Vivi grande parte da minha vida com a filosofia do espiritismo. Leio poetas, ouço crianças, espero os sabiás. Passeei pelo budismo e tento seguir a vida do modo que minha mãe me mostrou tão generosamente por 15 anos, como um canto de sabiá, sábia como ela sabia ser.
Mas a cena dele na Nona Sinfonia, inteira e bela, me fazia chorar sorrindo e fez com que me desse conta do que venho descobrindo, a minha religação com tudo.
É com a música que me sinto viva, foi ela que me mostrou a poesia, é nela que quero dançar meus dias, suspirar meus anseios, seguir meu caminho. A música é a minha religião.
É ela que me dá o silêncio. Aquele que venho buscando, enquanto tantos buscam multiplicar contatos, triplicar conhecimentos, viver tudo ao mesmo tempo. O silêncio “condição para o criar”, como coincidentemente ouvi do poeta Bartolomeu Campos de Queirós.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Viver e fotografar

“Aprenda a olhar em silêncio se você não quiser que o barulho espante, diante de seus olhos, a beleza das coisas frágeis”, conselho de Hokusai a seu aprendiz Tojiro em O Velho Louco Por Desenhos, da François Place

Toda a forma de luz vale a pena?

Que luz linda do sol laranja fechando a tarde. É uma das minhas preferidas. Mas do que adianta sem a companhia desejada?

Por que desejo o dia dos outros quando parece que tantos querem o meu? Há alguma forma de equacionar?

Verdes luzes flurorescem as árvores do parque que um dia foi nosso palco. Rimos, dançamos com a lua, trocamos confidências, memorizamos lembranças. Agora está tudo lá. Para quem quiser ver.

Verdes luzes fluroresceram também o grupo que se uniu pela música e ganhou as crianças. Pureza não-ingênua. Típica de criança. A parede se abriu e iluminou a palavra que canta toas as palavras que crianças deveriam ouvir. Nenhuma a menos.

Da razão à sensibilidade

É incrível como a gente pode ter consciência das burradas que faz, mas não consegue sair do lugar. O amor, então, é mestre nisso. Podemos ver tudo, julgar, planejar, ver e rever. Mas o sentimento não muda. Sempre à espera. Mas quando se sabe que a espera é esperada, o que se faz enquanto se espera?

domingo, 19 de agosto de 2007

Os sabiás de nossas vidas

Venho falando muito de minha história, as tais raízes. Às vezes ela se evidencia quando menos espero. Para a entrada principal do local em que trabalho, há duas alternativas de caminho do estacionamento até ela. Eu sempre escolho a da direita, porque invariavelmente ouço os sabiás – e ocasionalmente encontro com um deles, ali, no chão. Para mim não há começo de dia melhor. Era assim quando eu ia para a escola, às 7h da manhã. Meu bairro é gentilmente tomado por eles, que nunca nos deixaram apesar das tantas mudanças concretas a seu redor. Assim, cresci tendo o hábito de apreciar o canto do sabiá. Vi na TV que os cantos não se repetem, cada um tem o seu.
Mas outro dia caminhava com minha irmã no parque quando, no meio de uma conversa qualquer, ela olha para cima e diz: “ah, eu sabia! Ele está bem aqui em cima. Vi que o canto tava próximo demais”. Eu nem pedi explicações, ela não precisou dizer sobre o que falava, pois eu já sabia: era sobre um sabiá, que vinha chamando sua atenção há voltas, e que fez tudo o mais diminuir de atenção. É daí que tudo vem.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Exatamente como ele queria

Tudo já estava sendo preparado havia horas quando ele chegou. De baixo para cima, olhou para aquele cenário de quatro cores e deu um sorriso. “Tá bonito”. Por mais que tivesse ele mesmo pedido o tema – o Brasil – não quis fazer parte da decoração: para vestir em sua festa recusou a roupa ‘a caráter’ e optou por um conjuntinho de xorte e camiseta já usados. Muito mais confortável. Afinal, o dia era dele e só estava começando.
De pés descalços, começou a explorar tudo. “Preciso de amêndas”, dizia ele reforçando tonicamente o “me” e enchendo a mão de amendoins coloridos. A todo o momento, repetia a quem se confundisse: “Hoje não é o meu aniversário. É só a festinha”.
As pessoas foram chegando e os presentes também. Aos poucos, ele foi se dando conta de que aquilo tudo poderia ser ainda mais divertido. Um game eletrônico o entreteve por vários minutos. Sem pilhas, usava a imaginação para não perder a brincadeira: “Essa é a minha festa e eu posso controlar tudo”, ria de si mesmo da fantasia que ele criou.
Com tanta variedade de pessoas e brinquedos, eis que chega um robô de montar. “Era exatamente o que eu queria”, confessou o pequeno a mim. Dali em diante, parte para o lúdico possível ao se juntar uma idéia de alta tecnologia – um robô – com a mais simples das brincadeiras: encaixar.
Sem ninguém dizer a ele o que fazer, livremente aproveitou o espaço todo. Corria, saltava, nada escapava ao seu olhar. Sim, ele era o aniversariante e tinha o poder de, vez ou outra, apenas caminhar pela festa sozinho, num vai-e-volta de descanso que só eu observava. Tempo suficiente para notar o céu, que se riscava de rosa e laranja, oferecendo – como um presente - um belíssimo fim de tarde especialmente para o João.