segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O menino da bolinha de gude

Todos os dias, eu aguardava a chegada dele. Ele vinha correndo da rua, com uma mochila nas costas e entrava em casa. O pai sempre dizia:- Lave as mãos e venha almoçar!E ele lavava, depois sentava à mesa, almoçava pra valer, escovava os dentes e - ufa! - vinha depressa ao meu encontro.
Estava sempre à sua espera, parada em um dos pequeninos buracos formados pela areia que cobria a parte de fora da casa. Era uma delícia! Ele examinava as formas no chão e começava o jogo! Nas mãos dele, eu e minhas colegas voávamos pelo quintal. Ele me colocava no dedo polegar, eu ia de encontro às outras e iuuuuuuuuuuuuupiiiiiiii: a cada batida, caíamos às gargalhadas, em pura diversão.E assim a gente brincava por horas e horas.
Havia dias em que dávamos um passeio. E era muito especial. O menino colocava cada uma de nós em seu bolso e íamos lá dentro, batendo umas nas outras, morrendo de rir. De vez em quando ele procurava a gente, só com as mãos: acho que para saber se a gente não havia fugido... Fazia um carinho, daqueles que dão cócegas...
No caminho, a gente sempre ouvia a conversa dele com o pai. Ele perguntava sobre o nome dos pássaros, suas cores e seus cantos. Quem sabe, de tanto ouvir, ele não acabaria decorando tudo? Queria ser como o pai: ouvir um pio e já dizer que pássaro era!
Nesses passeios, não era só passarinho que ele via, não. Às vezes, o pai o levava para andar de barco. O menino se encostava na ponta da embarcação e apreciava tudo o que via: o balanço do rio, o reflexo da mata nas águas, as crianças brincando na beira. Ao longe,ele avistava umas borboletas azuis, típicas do lugar que ele vivia. Ficavam aqueles pontos luminosos, colorindo a floresta. Dava a impressão que a natureza brincava com ele. O garoto olhava, olhava, olhava... parecia que a paisagem não tinha fim. Dava um suspiro bem profundo e sonhava em ver aquilo para sempre.
Quando a gente chegava em casa, ele nos tirava do bolso, brincava mais um poucoe ia para o quarto. Passava um tantão de horas mergulhado nos livros. Sonhava em ser escritor.Dizer para o mundo todo o que ele via todos os dias: a vida vivendo.

publicado na Revista Crescer em março de 2007

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