terça-feira, 20 de novembro de 2007

As Clarices da gente...

Quando eu fui à exposição sobre Clarice Lispector no Museu da Língua Portuguesa não me faltaram inquietações. E não foi somente por ela e pelas palavras que ela escolheu pela vida.
Eu achei tumultuado, um tanto claustrofóbico. Acho que eram as frases dela gigantes que iam me engolindo, eu perdi o ar.
E na hora das gavetas, confesso: acho que fiquei com ciúmes. Que história era aquela de todo o mundo ficar abrindo as gavetas da Clarice? Para mim, que mais pareço protegê-la do que realmente ler seus livros, fiquei incomodada. Eu quis mais foi correr para casa e me abraçar aos livros dela. Ter a minha Clarice de volta. Ler tudo que - por sorte - ainda me resta ler dela.
Eu tenho uma grande amiga que me ensinou muito sobre o escrever. Ela tem um blog há muitos anos, chama-se Idéia Fixa.
E hoje li dela uma verdadeira maravilha. Um ir e vir. Um sentir maravilhoso sobre Clarice. Um mergulho profundo em todos nós. Todos que nos deixamos levar por ela, nos envolvemos com ela.
Copio aqui, Clarice por Simone Paulino.

Clarice Lispector.

O nome é em si um estilhaço. Sonoridade pontiaguda que penetra fundo no ouvido-alma da gente. Clarice. Clarice é perfurante. Entranha-se no reino das palavras e diz soberba: Tenho as chaves! Clarice é quase um verbo. Se eu Clarice. Se tu Clarices. Como seria o mundo se todos nós Clarícemos? Mas Clarice está em mim de um modo imperfeito. Se eu Clarice era só uma possibilidade remota que não se completou. Então trago Clarice para o presente e ela me atinge qual lâmina afiada e transforma tudo à minha volta em fragmento. Não consigo ler seus textos inteiros. Por isso, vou aos poucos. Recolho aqui e ali uma parte. Clarice, metonímia pura.

Perguntei a Clarice como é a vida após a morte. Clarice, escorregadia, me inquiriu: Que importa o futuro do pretérito? O instante, só o instante conta. Entenda, enquanto é presente! Esse mesmo, translúcido, que ao pensares nele já te escapa. Agarra-te a ele. Prenda-o em ti. É o que tens por hora, e é muito, creia-me. Pedi uma resposta e Clarice me devolveu perguntas. Será isso? Viver, uma infinita pergunta? Um consulta interminável a um dicionário com sucessivos verbetes remissivos? De onde? Para onde? Por quê? Por quanto tempo? Tempo? Que é o tempo? Se não me perguntam o que seja o tempo, sei. Mas se me perguntam, onde a resposta? Não há respostas, meu Deus, é isso? Deus? Tenho febre de estar viva, e ela me consome, por quê? Será a existência um eterno delírio, por quê? A chuva lavou a cidade e não refrescou meu espírito, por quê? Tenho uma mesa farta e sinto fome, por quê? O espelho não reflete minha alma, por quê? Cada pergunta é um caco de Clarice que penetrou na pele porosa do meu pensamento. As ruas se cobrem de flores amarelas e roxas e isso me inquieta, por quê? A morte é roxa e a vida, amarela, e a cada quarteirão elas se alternam. Sim, seria uma resposta. Mas é belo o roxo alternado com o amarelo. E há um sopro que às vezes mistura tudo numa cor indefinida e vaga. Tese, antítese, síntese. É isso, a vida? Queria ir além, lá no mais-longe, no indescoberto rumo, bem perto do centro estreito onde nascem as palavras que fundam o mundo. Mas eu, Simone. Se eu Clarice...

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