segunda-feira, 20 de outubro de 2008

De fita e tudo

Dormiam de mãos dadas, colecionavam lembranças.
"E quando eu abria a porta e você se agachava no chão da cozinha só para eu correr e te dar um abraço forte?"
"E quando você dançou na formatura a canção do Queen, o sapato Melissa, a blusa xadrez?"
"E quando você me ajudava nos mapas, apagava com a borracha sem deixar borrão, redescobrindo rios e afluentes?"
"E quando você sorriu pela primeira vez, no meu colo, parecendo agradecimento mas com cara mesmo de presente?"
"E quando você insistia em que eu acoplasse uma fita verde no cabelo quando na verdade eu queria mesmo era sair toda de preto?"
"E quando você me enchia de beijos e eu ficava toda molenga de tanto rir?"
"E quando você me deu a mão, para dormir a última noite juntas, para dizer que eu poderia já, sozinha, me defender do lobo, da floresta escura, dos cestos cheios de doces e da morte?"
E ela descobriu, aos 15, que podia tudo. Só bastava levar a fita verde com ela.

Uma inspiração em Fita Verde no Cabelo, de Guimarães Rosa.

7 comentários:

Lu Faria dos Anjos disse...

Oi Cris,
Embora eu não tenha postado com frequência(e isso é em todos os blogs), eu adoro o que você escreve.
Tudo que leio aqui, me leva ao tempo de infância. Que delícia!
Preciso discordar de você, quando escreveu para "Ler-pesar-escrever", afirmando que sua Fita Verde lhe parecia muito pessoal. Eu vejo nela uma universalidade muito clara. Em qualquer lugar do mundo existe uma criança que ao completar 15 anos, acha que uma fita verde já é o bastante para enfrentar a vida.
Parabéns! Adorei.
Bjs
Lu Faria

Bruno Cobbi disse...

Quero eu me tornar um contador de histórias tão hábil quanto você no universo da pimpolhada...

Soberbo, Cris.

Laura Fuentes disse...

Cris, teu conto me emocionou com suas lembranças e o forte e doce cheiro de saudade de mãe que emana dele. Vai demorar pros meus olhos secarem....

Rafael Cury disse...

Nossa, lindo, adorei! Gostei também da matéria da Crescer. Só li a antiga, mas deu vontade de ler mais. Por isso vou atrás da última nas bancas. Beijo.

MALU, SIMPLES ASSIM disse...

Que bom que vc consegue transformar as tuas lembranças em frases lindas assim!
Bjs.

júlia medeiros disse...

Cris, queridoca, que jeito mais delicioso de reencontá-la! Que texto lindo! Me lembrei demais da tarde em que esgarçamos nossas vidas uma a outra como se estivéssemos ali pra isso. E, poxa, que fantástica essa "tradução" do conto do Guimarães! Bravo! Beijos e saudades, Júlia (a meia parte da "canecasal") P.S.: Dê uma entradinha lá na minha palavroteca quando tiver tempo. Tem só uma frase nova, mas acho que vai gostar... www.palavroteca.blogspot.com

Paulo Netho disse...

Olá Cris, obrigado pelo vento da sua fala algodoeira. Sou grato,
felicidades
beijão do amigo
Paulo Netho