quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Olha o troco!

Ele estava ali, andando na mesma calçada, puxando as prateleira em frangalhos, exalando mau humor. Vi e era inacreditável. Uma viagem ao passado e uma comum mas sempre incrível constatação: há certas coisas que nunca mudam.
Todo começo de ano, a mesma coisa. Chegava o momento de ir ao bazar daquele grosseiro senhor de óculos de armação grossa, semblante de sofrimento, roupa antiga. Minha mãe só queria ir à livraria dele, que tinha pretensão de bazar.
- É mais barato, Cris. Além disso, sempre encontramos todos os livros lá.
E ela tinha toda a razão. Suportávamos aquele mal-humorado vendedor pelas vantagens. Mas nem por isso, relutava sempre à minha visita anual.
- Será que não posso ficar em casa desta vez?
Nunca podia. Parecia ensinamento. Deveria ser mesmo, um teste de resistência, controle. Quantas vezes na vida não temos que encarar o que não queremos?
Eu sempre ia.
E era a mesma coisa. Entrava naquele caos de infindáveis pilhas de livros. Eu sempre achava que ele não iria encontrar. E ele sempre encontrava o pedido. Existia uma ordem nele naquele caos. Impossível perceber como.
Após horas de busca, as inúteis tentativas dos clientes na ajuda e os berros constantes que ele remetia à filha, os livros estavam ali, todos na nova pilha, a pilha de livros da Cris.
Era o fim da tortura. Que sempre terminava com uma grosseria final. Não sei por que, eu e minha mãe nos perdíamos entre as publicações enquanto ele contabilizava nosso dinheiro.
Nós, à beira da saída daquele empoeirado local, a minutos de nos livrarmos da bagunça em forma de livros, ele gritava do caixa:
- Ei, olha o trooooco!
E não é que ele ainda está lá?

Nenhum comentário: