quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Entre o gosto e o jornalismo

Cultura é gosto.
Leio sobre o assunto desde a adolescência, quando ganhei uma assinatura da revista Bizz. Vivi em música a infância inteira e passei a gostar demais de ler sobre artistas, sobre o mundo, sobre como fazem músicas, sobre como se conhecem, convivem, criam.
Quando comecei a trabalhar como jornalista, ainda na faculdade, este meu lado 'fã' foi começando a ser colocado à prova. Mas eu nem me dava conta disso. Tinha aquele fantasma do ser ético, do não contaminhar meu olhar por causa de minhas preferências, da tal imparcialidade. Só que eu fui vivendo: ia simplesmente entrevistando o pessoal do Barão Vermelho, o Nasi do IRA! e unindo meu conhecimento de vida para fazer pequenas entrevistas. Comecei a notar que substituía ali o gosto por um beijo ou um autógrafo pelo prazer de uma boa entrevista.
Isto continuou quando comecei a produzir um programa somente sobre música brasileira, o Nossa Terra, Nossa Gente, na rádio Imprensa e depois no meu trabalho no Diário Popular. Era maravilhoso. Aprendi demais. E aí esta Cris fã e jornalista continuou aparecendo meio junto, meio em conflito, meio feliz, meio angustiada. Mas sempre foi um prazer. Porque sempre soube, digamos, me comportar. Ao contrário de questionamentos que fiz anos depois, o fato de eu conhecer música, ter ouvido este povo, ter lido sobre eles por prazer - e não por trabalho - me rendeu ótimas conversas, ótimos sorrisos, ótimas entrevistas. Foi assim com o cantor Zé Renato, o sambista Zé Keti, na única pergunta que consegui fazer na coletiva do Chico Buarque, em um bate-papo sobre música negra com João Marcello Bôscoli. É assim hoje num papo com Paulo Tatit, do Palavra Cantada, ou ao entender as referências do grupo mineiro Ponto de Partida com os cantores Meninos de Araçuaí.
Estas palavras foram provocadas em mim por causa de um presente que ganhei ontem. O livro Palavra Cruzada, do jornalista Júlio Maria, marido da minha agora amiga Daniela Tófoli. É sobre a arte da entrevistas sem muita teoria: são as entrevistas publicadas na coluna que ele tem no Jornal da Tarde desde 2004. Eu conheci o Júlio em um dos momentos mais gostosos desta Cris fã-jornalista: na gravação do Acústico dos Paralamas do Sucesso. Aquele dia era somente mais um encontro com esta banda que aprendi a gostar na adolescência e que admirei ainda mais em entrevistas, pela integridade de se manter banda, cuidado com os fãs, com a música, com a preocupação em oferecer bons momentos - e, claro, vivê-los também.
Adorei ver em Júlio que ele lida bem com isso, que ele não se preocupa em saber e ser na hora de entrevistar: é tudo uma coisa só. Preocupado mesmo ele está com a entrevista, em conquistar o entrevistado: o julgamento atrapalha, oras.
E muito, eu bem sei. Trabalhei muito tempo com celebridades que de nada tem a ver com talentos. Mas se este era o meu trabalho, eu fazia o melhor. Se eu podia evitar a conversa sobre o casamento desfeito e o possível ensaio nu em revista, eu engatava um papo gostoso com qualquer um. Sempre descobria algo que a pessoa gostava e aprofundava. Nunca fui maltratada, nunca precisei sair falando mal de artista. Não era eu quem estava em jogo, não eram meus sentimentos, nem minha opinião. Meu trabalho era mais importante.
Eu ando meio estafada de jornalistas. De se intitularem donos da verdade sem a menor preocupação com o quão clichê é esta arrogância. Estou cheia de certos, errados, fórmulas mundiais de como fazer a boa entrevista, a boa matéria, o bom título, a boa pauta. Júlio me confirma que quem é bom, é bom. Basta ser você. Vá atrás de respostas, do que você pensa sobre o assunto, das perguntas que há em você. Jornalista não é burocrático, não é um preenchedor de lacunas. Jornalista é a pessoa que ao invés de ler a opinião dos outros, larga tudo e vai viver experiências. Ou poderia ser isso.
Agora mesmo eu estava aflita para uma entrevista com a escritora Marina Colasanti. Pensei: "como vou falar de poesia, como vou concretizar em uma entrevista algo tão não palpável? Será que sou capaz de ter este papo?". E não é que a entrevista aconteceu com a mais simples das perguntas : "como é escrever poesia para crianças?" e emendei uma ainda mais óbvia "o que é poesia?". E quer saber como foi a entrevista? Ótima! Leve e profunda, como somente um encontro de poesia pode ser. E as entrevistas podem ser assim, bons encontros. Livres. Simples assim.

Um comentário:

Malu disse...

Eu acho que um bom jornalista, além de tudo isso que vc falou, sabe que pode aprender com qualquer um, em qualquer lugar, a qualquer hora.
Beijos.