sexta-feira, 4 de julho de 2008

O menino da cápsula

Ele não lembra quem disse, ou onde ouviu. Mas a informação tomou-o como um forte estalo:
- Uma cápsula que resista ao tempo?!? O que eu colocaria nela para que o mundo saiba quem fui eu?
Quem sou eu? Perguntou-se insistentemente. Depois resolveu perguntar aos pais, aos amigos da escola. O padeiro que ele via todas as tardes. O seu Zé que fica na porta do clube.
Foi para casa cheio de si e começou a procurar no quarto o que ele poderia colocar dentro da cápsula.
A bola amarela e roxa, que ele ganhou da tia Sônia.
O caderno de frases que ele anota das músicas que mais gosta.
O tênis que ele guardou. Não dá mais para usar, mas ele não quis jogar fora.
Fotos. A viagem com os pais por Minas Gerais, o aniversário no acampamento.
- Cabe mais uma coisa.
Seu olhar foi direto para a prateleira encantada (como ele costumava chamar o lugar dos livros).
Que dúvida! Marcelo, Marmelo, Martelo? A Bolsa Amarela? Peter Pan? Crônias de Nárnia?
Pensou e escolheu. Não revelou a ninguém.
Ele não tinha quintal para enterrar. Pegou uma caixa de presente usada, colocou tudo lá dentro, enfiou no armário, lá no fundo. Cobriu de roupas. Sentou-se na cama, olhou, orgulhoso.

E torceu para alguém achar.

Ele cresceu. Passou anos morando na Europa, conheceu países, povos, culturas. Um dia, voltou para casa, de vez. Os pais ainda moravam no mesmo lugar.
Assistindo a um programa de televisão, ouviu o assunto da cápsula, teve o mesmo estalo de anos atrás.
Correu para o quarto, para espanto dos pais. Abriu os armários, tirou tudo. Achou. A caixa estava lá, do jeito que ele deixou.

Abriu a "cápsula". Suspirou a cada retirada. Viajou pelos anos, pelas lembranças. Vieram cheiros, sabores, sensações. Abraçou a caixa como quem reencontra um velho amigo e chorou a emoção.

(ao meu amigo Peterso)

8 comentários:

Petê Rissatti disse...

Minha linda,

Acabo de voltar do banheiro depois de correr com lágrimas nos olhos para chorar de emoção. Lembrei da minha cápsula do tempo e de tudo que coloquei lá.

Te adoro, viu.

Anônimo disse...

Cristiane,
Lindo o seu texto!emocionou-me me fez voltar no tempo e ficar com saudades.
Bjs
nadya(mâe da paulinha)

Pati Cytrynowicz disse...

Nossa, essa turma está demais. Eu leio os blogs de cima para baixo, em ordem alfabética. Todos me surpreendem. O legal nessa história é que tem moral. Aquela que a Márcia fala na aula. Muito bom mesmo. Beijos.

Sady Folch disse...

Que lindo texto Cris. Tem a cara de quem cuida de criança, ou melhor, da educação delas, se submetendo a ser educada por elas.
Abraços meus e o registro pela admiração de um texto tão bonito quanto às recordações de outrora..das cápsulas de cada um...
Tem razão Pete em lavar o rosto com a emoção.
Sadyh

Anônimo disse...

Cristiane,
amei seu texto. Que lindo!

Sou mãezona de dois tesouros de 10 e 4. Curto ver meu filhote mais velho amando os livros tanto quanto eu. Um segredinho: eu compro livros infanto-juvenis para nós dois. Às vezes leio antes dele. É amor que não tem fronteiras de gênero.

Cheguei aqui pelo comentário que você deixou em meu blog. Visitei também o "ler para crescer".

Adoro descobrir esses lugares especiais. O seu cantinho transborda sensibilidade. Parabéns!

Vou colocar o link no "canastra". Assim eu não esqueço de dar uma passadinha e curtir os seus textos.

Bjs
Ana Cristina
http://canastradecontos.blogspot.com

Ursulla Mackenzie disse...

Nossa Cris!!!Muito bom texto!!!Emocionate!!!Parabéns!!!

Nanete Neves disse...

Cada um de nós tem suas cápsulas do tempo, cada qual a seu jeito. Com seu texto, Cris, você me fez voltar ao passado e visualizar as minhas. Emocionante!

Alessandra Roscoe disse...

Cris,
Seja nas cápsulas ou caixinhas, o importante é não abandonarmos nossas lembranças, costurarmos o tempo com nossas próprias mãos, nossos sentimentos mais puros, mais doces! E já que vivemos também de coincidências, não podia deixar de lhe contar a proposta que recebi, para trabalhar num projeto de resgate de memória com idosos de um hospital dia, pacientes de Alzheimer, contando histórias! Pode? Começo na sexta e já pensei numa oficina de caixinhas de guardar o tempo!
Seu texto é lindo, vou levá-lo também para contar no hospital.
Grande beijo,
Alessandra Roscoe
contoscantoseencantos.blogspot.com