Ele fez sinal de obediência, mesmo sabendo não haver tempo nem disposição para a tarefa.
Pensou em como seria o tradicional encontro de família.
Não mais a prima de falar alto, baixa estatura e humor colado à pele. Não mais a brincadeira com o marido, o orgulho do neto, as piadas guardadas para a grande ocasião.
Não mais o irmão estilo bonachão, sentado perto da mesa repleta de delícias que ele, pela ameaçadora diabetes e os muitos quilos a mais, deveria mas não resistia. Não mais o riso de lado, a mão na boca, o olhar de um cansaço infinito, uma preguiça de viver aquela vida reservada a ele.
O encontro era em nome do passado. As crianças pequenas, os irmãos se reencontrando em festa, os cunhados em eterna adaptação. Os avós eram vivos e distribuíam sua sabedorias, enquanto viam os filhos complicarem a simplicidade dos tempos de ontem, da vida pacata, dos poucos recursos, do sossego de quereres.
Mas não era mais assim.
Os mortos faltavam sempre, a cada ano.
Os mais novos tinham suas festas, seus namoros, suas vidas à parte.
Entre um grupo e outro, uma turma que se via pouco, que ignoravam preferências, escolhas, profissões. Ninguém sabia o último filme assistido, o jantar inesquecível, o aumento do salário, a briga com o melhor amigo, a dor no quadril.
Não se conheciam mais. Mas se reencontrariam assim mesmo.
5 comentários:
É a vida de hoje, no corre-morre-corre interminável, que não deixa mais que a família seja tão família quanto antes. A Vida Simples deste mês traz uma matéria sobre a nova família, essa que você descreve com olhar tão afiado.
Beijos
Cris, esta mensagem me lembrou o poema Aniversário de Fernando Pessoa. Se me permite:
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
"No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!..."
Tem razão, querida...são os avós o elo que tudo liga. Quando eles faltam, as coisas perdem um pouco de sentido.
Legal, Cris....Falando assim desse jeito parece mais fácil e mais tranquilo.
Será que a gente não complica muito. Será que custa muito passar 02, 03 horas com este pessoal. Uma vez por ano...
Quem não tá, faz falta...mas e quem quer estar e a gente não vai ver, não é pior...
É dia 29/11, mais um ano, tomara que não seja o último...
Bjs e parabéns!!! Mais uma vez. Vc. é incrível!!!!
E foi bem gostoso, na verdade eu acho sempre gostoso, me divirto com o que geralmente é um pouco tenso.
Mas esse ano, deixamos os namorados participarem ao invés de sairmos com eles. E foi uma delícia, mais um show da Banda dos Agregados. Dessa vez com um membro da família junto.
Vale a pena pelas risadas, e por saber que nós estamos sempre unidos!
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