Quando eu era pequena, certa vez impus a mim um desafio: flagrar
exatamente o instante em que meu irmão mais velho fechava os olhos para dormir.
Aquele instante do “pegar no sono”, sabe? Ele quase todos os dias adormecia no sofá
enquanto assistíamos algo na TV e eu, entretida no que a tela exibia, sempre perdia
este segundo precioso. Nunca consegui, e esteja onde estiver, ele ainda deve
tirar umas cochiladinhas instantâneas. Aposto que sim.
Hoje vejo isso acontecer com os olhos da minha filha muitas
vezes. Este segundo em que ela se entrega ao sono e fecha os olhos é mágico. Só
pode ser. Não que ela dê trabalho. Mas é um movimento tão bonito. Os cílios se
encontram e algo puro, delicado e definitivo acontece. Adoro assistir. Os
segundos de milagres da vida.
Igualzinho o "momento decisivo" que Henri-Cartier Bresson nos ensinou e nos presenteou com fotos como esta.
E acompanhar alguém se desenvolver nos surge em diversos segundos,
segundos seguidos, segundos sentidos. “Num segundo” ela olha em meus olhos e me
devolve um sorriso. “Num segundo” vira de bruços e vê o mesmo mundo de um jeito
diferente. “Num segundo” agarra os pés com alegria. “Num segundo” se envolve
com um brinquedo, uma cor, um som. E todos os instantes são preciosos. Como no
livro que li hoje, na história de infância da querida ilustradora Ionit Zilberman,
contada por Kiara Terra: Hocus Pocus Um Pai de Presente. E lá, elas nos dizem: “o
começo é sempre o lugar onde a gente está quando acontece uma coisa importante.
O começo é naquele instante”.