Sou filha de um casamento que se pautou por uma série de padrões. Não era um casamento feliz e, no entanto, talvez não houvesse chance de pensamento para minha mãe mudar a situação. Não se sabe o que pulsava dentro dela, mas o fato é que isso enraizou-se em mim. Muita conversa para que eu não quisesse manter esse padrão que, de certa forma, o mote era desejar pouco para si.
Hoje tenho um desejo muito forte para a minha filha. Quero que ela deseje. Porque sei que isso não é simples. A gente acha que o mundo está a favor de nossos desejos, mas há um desejo que mora dentro da gente que nada tem a ver com o mundo. Acabei de ler um artigo da jornalista Eliane Brum sobre o porquê da aceitação de Celso Russomano como possível prefeito de São Paulo e voltei a pensar no assunto. A gente fica lendo e escrevendo aquela mesmice de “melhor ser do que ter”, mas é aí que estamos sendo superficiais. Há pessoas que simplesmente não querem ser. Querem ser, sim, levadas. Levadas por pais que deem tudo – inclusive aqueles que a vida toda têm pouco para dar -; pelo sonho de um marido que possa me deixar em casa com a vida quadrada e sem desafios (e isso não tem nada a ver com trablhar fora ou não); pela satisfação de ter uma esposa que cuide da casa, não faça perguntas e crie filhos para o mundo sei-lá-de-que-jeito; por um emprego que fique sempre na mesma, sem riscos.
Desejo para a minha filha que nestes seus primeiros meses ela queira mesmo participar mais da vida, ficando mais acordada durante o dia. Que ela balbucie e até faça seus minigritos muitas vezes, desejando falar como todos à sua volta. Desejo que ela queira ir para a escola, montar muitos Legos, aprender a ler e a escrever. Desejo que ela “adolesça” sonhando em trabalhar logo, para conhecer pessoas, aperfeiçoar sistemas, se sentir útil. Que ela escolha uma profissão para logo se inserir no mercado, e que seja algo a ver com nossas possibilidades, mas que ela faça disso apenas um começo. Pois sonhar não é desejar somente o que não se pode ter. Sonhar é preciso. É traçar metas, procurar ajuda, acima de tudo conquistar. Não dar dor de cabeça a ela e aos outros. Não se encostar em ninguém.
Como não sei até quando estarei por perto dela, eu desejo que ela aprenda que ficar em casa com os pés para cima e as mãos digitando algo não é necessariamente um sonho. É uma armadilha.
O que mais ela vai encontrar à sua volta é gente querendo mostrar que poder comprar algo já é suficiente. Que encher a cara todo final de semana é algo merecido e típico da juventude (ô, coisa estúpida!!). Que todo o mal do mundo se resolve com uma solução politicamente correta, com frases feitas (com fotos, opa!) no Facebook supondo lições de moral contra o rock, a literatura e até a novela!
Desejo que a minha filha deseje. E não aceite fácil um mundo em que as pessoas querem ensinar um único jeito de ser e ter.
post 0201
Há 10 anos